segunda-feira, novembro 27, 2006

Caras durões


Um negão forte de mais ou menos dois metros de altura entra no bar e senta em um dos bancos do balcão. Seus olhos pareciam estar mergulhados em sangue. Pede uma cachaça. “Qual?” “Qualquer uma”. Cardoso, o balconista, não se conteve e comentou comigo em voz baixa: “É chifre, quer ver só?!”

- Qual foi o problema, amigão?

E o negão desaba a chorar, como se fosse uma criança.

- Ele não podia ter feito isso comigo. Eu fiz tudo por aquele vagabundo, o tirei da sarjeta e ele me trai logo com aquela vaca. Desgraçado.

O bar ficou em silêncio para escutar o negão. Sem saber o que dizer, Cardoso solta um: “Isso acontece, amigão”.

                                                            ***

A noite vai se aproximando e os primeiros sinais de embriaguez começam a aparecer. Um cara cai do banquinho, se levanta e debruça no balcão. “É assim pelo menos uma vez na semana. Daqui a pouco aparece o filho para resgatá-lo”, diz Cardoso.
O garoto chegou por volta das nove. Viu o pai estirado no balcão e se sentou na minha mesa.
- Você tem quantos anos? – perguntei.
- Nove.
- E veio pegar seu pai?
- Foi.

Então o garoto se levantou e pegou um limão no balcão. Voltou e começou a lamber o limão.

- É azedo. Você quer um pouco?
- Não, garoto. Obrigado. Ei, você é um cara durão, sabia?
- É?
- É.
- Mas o limão vai ficar melhor se você o espremer em um copo com água. O Cardoso deve ter açúcar.

O garoto tomou sua limonada e esperou o pai dar um sinal de vida. O velho se mexeu lá pelas onze. O garoto foi até ele, pegou sua mão e conseguiu tirar forças para arrastar o pai.

quarta-feira, novembro 01, 2006

O encanador canibal

O prédio está sem água desde às 6 da manhã. Os encanadores mexem em uma coisa ou outra, trocam peças, andam pelos corredores com seus macacões sujos e carregando chaves inglesas...Mas até agora não resolveram porra nenhuma.

E a cada hora sem água os moradores ficam mais loucos ainda, inclusive eu. O apartamento está em estado deplorável, fedendo a merda e a urina acumulados no vaso à espera de uma descarga messiânica. Preciso urgentemente de um banho. O dia está um forno.

Dou várias voltas pelo apartamento. Entro no banheiro, abro a torneira, o chuveiro, tento dar descarga e nada da água. Fico desesperado e desço para acompanhar o serviço dos encanadores. Todos estão parados, fumando, dando gargalhadas e batendo papo. Dizem que estão aguardando a chegada de uma peça para concluir o serviço e voltam a conversar entre eles. Decido ficar lá perto e acompanhar a conversa – o que era tão divertido?

- Não! Conta essa história direito, rapaz? Você é canibal? Como é que pode comer seu semelhante? – perguntam para um encanador baixinho.
- Rapaz, eu estava no meio do mato, não tinha mais nada para comer.
- Mas você não tinha falado que estava em um restaurante? Lá não tinha outra coisa para comer? Um arroz, um feijãozinho, um ovo? Só macaco, homi? – questionou um terceiro.
- Mas homi, eu tava no meio do mato, morrendo de fome. Comi mesmo. Eu e todo mundo que tava no ônibus.

E todos caem em gargalhadas. A simplicidade e o nervosismo para se explicar o motivo de ter comido o macaco. E o encanador canibal continuou...

- Rapaz, na fome e na necessidade a gente come é de tudo. Já comi cobra, lagartixa, formiga, cobra, porco espinho. Só não comi tamanduá. Dizem que é bom, mas eu não tenho coragem.
- Cabra, você já comeu tudo isso e ainda tem pena de comer tamanduá? Do pobre do macaco você não teve pena, ne?
Mais gargalhadas....


- E não mude de assunto.
- Porco espinho? Como você tirou os espinhos dele? Não seria aquele porco do mato?
- Era rapaz, acho que era mesmo – respondeu o canibal.
- Se foi realmente porco espinho tem uma vantagem. Depois de encher a pança o canibal ainda palitou os dentes.
- Hahahahahahahahahaha......................
- Não...não mude de assunto. Quero saber desse canibalismo. A carne era boa, pelo menos?
- Eu não lembro mais. Sei que não sobrou nada.
- Nem a cabeça do pobre do macaco?
- Ouvi dizer que na Índia eles comem cérebro de macaco – comentou um outro.
- Não, não. A cabeça a gente jogou no mato.
- E você, tem coragem de comer macaco? – perguntaram para mim.
- Rapaz, eu prefiro um ovo frito – respondi.
- É, eu também! – emendou o canibal.
- Sei....ovo de macaco, ne?
- Hahahahahahahahahaha.


Chega de toda essa merda de macacos. Decido dar uma saída para tomar uma cerveja.

Retorno no início da noite e os encanadores estavam mais ativos, trabalhando para irem para casa o mais depressa possível. Entro no apartamento e corro direto para o banheiro. Abro a torneira, o chuveiro, dou uma descarga e nada da água. Vou assistir tevê e acabo pegando no sono. Acordo às duas da madrugada, ensopado de suor e vou cambaleando para o banheiro.

A água finalmente havia chegado. Mas é tarde demais para tomar banho. Perderia todo o sono. Dou três descargas no vazo e sigo direto para a cama.