terça-feira, dezembro 05, 2006

Bruto como nós


No telefone, o pequeno Pedro, de oito anos, reclama com o amigo de seu pai:

- Tio, por que o senhor não vem mais aqui?
- Calma amiguinho. Você já vai assim cobrando? Tem de cumprimentar primeiro.
- Mas tio, o que é cumprimentar?
- É você falar: “Oi, tudo bem? E a família, como vai?”. Mesmo que você não queira saber como vai realmente essa pessoa, os seus problemas...
- Ah tio, que merda isso. Eu quero falar o que eu quiser.
- Ok.

O amigo do pai de Pedro se chamava Casanova. Era um velho bondoso, sempre se dava bem com crianças. O seu filho já estava grande demais. Descobriu Pedro enquanto visitava o seu pai para tratar de negócios. O pai de Pedro era um fazendeiro, bruto e com alguma grana. Pedro também era bruto, crescera na fazenda e tinha os pés calejados. Mas ainda nem sabia o que era grana.
Casanova ficou amigo daquela família. E já estava em falta, fazia um bom tempo que não os visitava. Saiu do emprego mais cedo, comprou um carrinho de controle remoto para Pedro e ligou para a esposa avisando que iria para o interior. Ela, às vezes, estranhava isso. Achava que o marido, na verdade, iria era para o bordel.
A família de Pedro recebeu Casanova com festa. Pedro era o mais eufórico, com o seu carrinho de controle remoto. Assaram pernil e prepararam várias comidas típicas do interior. Enquanto o jantar não saia se reuniram para conversar.

Isadora, a irmã de Pedro, um ano mais velha que ele, comenta:

- Olha, o porquinho tá bulinando a porcona. Mais coitado, ele é tão pequeno, nem vai conseguir.
- Pequeno? O dele é maior que o meu. Olha lá, ele vai pegar ela – analisou Pedro.
- O que é isso, meninos – brigou a mãe.

Casanova se assustou com aquilo. Mas depois lembrou que sua infância bruta no interior não era tão diferente. Aos 10 anos, traçava galinhas, cabras e até buracos na terra.
A mãe de Pedro começou a contar a última aventura do filho. Cansado de ser mordido por um pequeno poodle, presente do pai, Pedro resolveu contra-atacar. O garoto mordeu o pescoço do cachorro, que teve de ser levado às pressas ao veterinário. Casanova reparou o curativo no pescoço do poodle e começou a rir.

Pedro ficava no canto da sala, sempre atento à conversa dos adultos. Longe da vista do pai, que não gostava de ver o moleque metido em conversa de adulto, Pedro perguntava para Casanova: “Tio, o que é corrupção? Tio, o que é picareta? Tio, o que é governo?”. Casanova respondia tudo, sem saber se era entendido pelo garoto. Pedro apenas ficava de cabeça baixa, escutando tudo, atentamente.
A conversa de adulto continuou. Casanova falou algo sobre prisão de ventre. Antes de irem para o jantar, Pedro perguntou mais coisas: “Tio, o que é trono? E o que é rei? E por que colocar força para cagar? O buraco é pequeno demais ou a bosta que é muito grande?”.
Semanas se passaram. Casanova recebe um telefonema no emprego. Era a mãe de Pedro. Dizia que o garoto estava deprimido. Não comia nada há dois dias. O carrinho de controle remoto havia parado de funcionar.

- Seu Casanova, o Pedro não está acostumado com esses brinquedos. Ele é bruto como nós. Acho que foi ele quem quebrou o carrinho. Ele estava implorando para que o senhor consiga um mecânico para consertar o carrinho. Pode?
- Ok, deixa eu falar com ele.
- Alô, alô...
- Quem é?
- Aqui é o mecânico.
- Mecânico é o caralho. Eu sei que é você, tio. Vem aqui arrumar essa porra agora. Essa merda não presta.

À noite, Casanova partiu novamente para o interior. Viu que era apenas um mau contato no controle remoto do carrinho. Consertou e a alegria foi geral. Dias depois Pedro destruiu o carrinho. O poodle havia mordido o brinquedo, talvez para se vingar da mordida que recebeu no pescoço. A pintura vermelha ficou arranhada. Pedro se revoltou e pisou...pisou... até destruir o carrinho.