No telefone, o pequeno Pedro, de oito
anos, reclama com o amigo de seu pai:
- Tio, por que o senhor não vem mais
aqui?
- Calma amiguinho. Você já vai assim
cobrando? Tem de cumprimentar primeiro.
- Mas tio, o que é cumprimentar?
- É você falar: “Oi, tudo bem? E a
família, como vai?”. Mesmo que você não queira saber como vai realmente essa
pessoa, os seus problemas...
- Ah tio, que merda isso. Eu quero
falar o que eu quiser.
- Ok.
O amigo do pai de Pedro se chamava Casanova. Era um
velho bondoso, sempre se dava bem com crianças. O seu filho já estava grande
demais. Descobriu Pedro enquanto visitava o seu pai para tratar de negócios. O
pai de Pedro era um fazendeiro, bruto e com alguma grana. Pedro também era
bruto, crescera na fazenda e tinha os pés calejados. Mas ainda nem sabia o que
era grana.
Casanova ficou amigo
daquela família. E já estava em falta, fazia um bom tempo que não os visitava.
Saiu do emprego mais cedo, comprou um carrinho de controle remoto para Pedro e
ligou para a esposa avisando que iria para o interior. Ela, às vezes,
estranhava isso. Achava que o marido, na verdade, iria era para o bordel.
A família de Pedro
recebeu Casanova com festa. Pedro era o mais eufórico, com o seu carrinho de
controle remoto. Assaram pernil e prepararam várias comidas típicas do
interior. Enquanto o jantar não saia se reuniram para conversar.
Isadora, a irmã de Pedro, um ano mais
velha que ele, comenta:
- Olha, o porquinho tá bulinando a
porcona. Mais coitado, ele é tão pequeno, nem vai conseguir.
- Pequeno? O dele é maior que o meu.
Olha lá, ele vai pegar ela – analisou Pedro.
- O que é isso, meninos – brigou a mãe.
Casanova se assustou
com aquilo. Mas depois lembrou que sua infância bruta no interior não era tão
diferente. Aos 10 anos, traçava galinhas, cabras e até buracos na terra.
A mãe de Pedro
começou a contar a última aventura do filho. Cansado de ser mordido por um
pequeno poodle, presente do pai, Pedro resolveu contra-atacar. O garoto mordeu
o pescoço do cachorro, que teve de ser levado às pressas ao veterinário.
Casanova reparou o curativo no pescoço do poodle e começou a rir.
Pedro ficava no canto da sala, sempre atento à
conversa dos adultos. Longe da vista do pai, que não gostava de ver o moleque
metido em conversa de adulto, Pedro perguntava para Casanova: “Tio, o que é
corrupção? Tio, o que é picareta? Tio, o que é governo?”. Casanova respondia
tudo, sem saber se era entendido pelo garoto. Pedro apenas ficava de cabeça
baixa, escutando tudo, atentamente.
A conversa de adulto
continuou. Casanova falou algo sobre prisão de ventre. Antes de irem para o
jantar, Pedro perguntou mais coisas: “Tio, o que é trono? E o que é rei? E por
que colocar força para cagar? O buraco é pequeno demais ou a bosta que é muito
grande?”.
Semanas se passaram.
Casanova recebe um telefonema no emprego. Era a mãe de Pedro. Dizia que o
garoto estava deprimido. Não comia nada há dois dias. O carrinho de controle
remoto havia parado de funcionar.
- Seu Casanova, o Pedro não está
acostumado com esses brinquedos. Ele é bruto como nós. Acho que foi ele quem
quebrou o carrinho. Ele estava implorando para que o senhor consiga um mecânico
para consertar o carrinho. Pode?
- Ok, deixa eu falar com ele.
- Alô, alô...
- Quem é?
- Aqui é o mecânico.
- Mecânico é o caralho. Eu sei que é
você, tio. Vem aqui arrumar essa porra agora. Essa merda não presta.
À noite, Casanova
partiu novamente para o interior. Viu que era apenas um mau contato no controle
remoto do carrinho. Consertou e a alegria foi geral. Dias depois Pedro destruiu o carrinho.
O poodle havia mordido o brinquedo, talvez para se vingar da mordida que
recebeu no pescoço. A pintura vermelha ficou arranhada. Pedro se revoltou e
pisou...pisou... até destruir o carrinho.