segunda-feira, julho 02, 2007

Papo sério

Tudo começou quando eu tentei contar aquela velha piada do Cadastro Único (C.U.) em uma mesa de bar. O clima estava propício. Pouco assunto na mesa e uma rodada de piadas havia começado. As três primeiras foram ótimas. Então lembrei dessa do Cadastro Único. Ok, tudo bem. Nunca fui um bom contador de piadas, mas nunca imaginaria o rumo que aquela ingênua tentativa tomaria.
Sei que comecei a piada me segurando para não rir. Estava sério, um pouco tenso, confesso. Continuei bravamente. Disse que o governo estava com planos de criar o tal Cadastro Único ou (C.U.). Acho que é assim que a piada realmente começa. Expliquei que o documento traria todas as informações do indivíduo, como R.G., CPF, título de eleitor, carteira de reservista...
Antes mesmo de chegar no desenvolvimento da piada - a parte onde eu diria que o sujeito só precisaria mostrar o C.U. (leia-se cú) para abrir um crediário ou uma poupança - sou interrompido pelo Valtão, que já tava meio alto:

- A época da ditadura está voltando. Eles também tinham a idéia de colocar todas as informações do sujeito em apenas um documento. Ficaria mais fácil para eles manter o controle da sociedade.

Tudo bem, só um parêntese do nosso amigo Valtão, pensei. Agora poderei continuar minha piada e esperar as gargalhadas, pensei.

- Mas o futuro tenderá a isso. Todos os nossos documentos, até o nosso cartão de crédito, em um documento só – endossou o Professor, sentado a minha direita.

- Rapaz, vai ser isso mesmo. Terá até informação do nosso plano de saúde nesse documento. É chegar no hospital e pá-púm, tudo resolvido. Não vai ter mais essa papelada toda, esse monte de cartão que todo mundo carrega na carteira – empolgou Lázaro.

- Eu li em uma revista que todas essas informações ficarão armazenadas em um chip, dentro da nossa pele. Isso será em um futuro próximo – disse Valtão, abastecendo com cerveja os copos da mesa.

Minha piada já tinha ido pras cucúias há muito tempo. Ouvia toda aquela conversa calado, retraído. Só eles falavam.

***

Professor: No futuro? Rapaz, isso já está acontecendo lá no Japão. Já tem esse tal chip por lá.

Lázaro: É, estamos chegando ao fim dos tempos.

Professor: Só pra você ter uma idéia, daqui há um tempo será possível teletransportar matéria. Einstein provou isso no passado.
Puta merda, já era mesmo minha piada. Fudeu. Já estamos na física quântica.
Um cara que estava sentado no balcão ouve o comentário do professor e decide entrar na conversa.

O cara: Não, Einstein nunca provou isso. Ele falava de uns átomos lá, não tem nada a ver com viagem no tempo.

Professor: Então meu filho, átomo, matéria, matéria, átomo. Sacou?

Já havia ficado muito tempo calado. Decidi entrar em ação.

Eu: Pessoal, lembrei daquele desenho do pica-pau com aquele professor maluco que tinha aquela máquina do tempo.

Valtão: Ah, sim. O pica-pau viajava até a idade da pedra e voltava com um tiranossauro.

Eu: É, isso mesmo. O tiranossauro atrás do pica-pau querendo comer a cabeça dele.

O cara: Mas peraí, o tiranossauro é vegetariano.

Silêncio na mesa

Professor: Rapaz, lembrei agora da minha filha. Ela diz que virou vegetariana. Diz que não come nada vivo. Eu tento provar para ela que há vida nas plantas. Elas têm sentimento, sabia?

Eu: E o que sua filha vai comer? Como ela vai se alimentar?

Professor: Sei lá. De luz?

***

Acabaram os assuntos. Eu paguei minha conta e fui para casa lamentando, ainda lembrando a piada do C.U. Que povo mais sem graça. Não se pode nem contar uma piada.