terça-feira, novembro 23, 2010

Explica, Freud


Sozinho no bar. Uma cerveja e uma dose de pinga envelhecida no carvalho da puta que pariu, aquelas pingas chiques que os boêmios e donos de bares insistem em falar que é igual ou melhor que uísque. Enfim, estou encostado no balcão, tentando espairecer. Mais um dia a menos na minha conta. Um dia a mais na minha conta do bar.
Às vezes olhando para o público, procuro imaginar como são aquelas vidas. Histórias previsíveis, que acabam não chamando minha atenção. Exceto por um serzinho. Correndo e brincando com um amigo imaginário, uma menina de uns seis anos anda pelo ambiente, falando algumas coisas que eu não consigo ouvir. Ela me enxerga e vem puxar conversa.

- Você está em pé e sozinho por quê?
Penso um pouco e falo:
- Sentar sozinho em uma mesa é feio.
- Humm... E por que você está sozinho?
Acabei ficando meio desconsertado com as perguntas. E respondi sem considerar que minha conversa tinha uns seis anos de idade.
- Às vezes eu desisto de gente.
Ela cerra os olhos para olhar, e então solta:
- Ah tá. Entendi.
E então saiu como se voltasse a brincar com seu amigo imaginário. “Poxa, não é nada pessoal, nada com você, minha carinha”, pensei comigo, ao mesmo tempo lembrando da merda que eu falei para uma criança de seis anos.
Uma criança que, aliás, parece ter entendido muito bem o que eu falei, ao contrário dos bêbados que tentam puxar assunto com alguém que está sozinho no balcão tentando espairecer. Mas enfim, se os pais daquela criança tiveram a iniciativa de trazê-la a um boteco, ela acaba aprendendo algo no ambiente, independentemente do que eu falei.
E ela acaba ensinando também. O “Ah tá. Entendi” dela foi um tapa em minha cara. Minha máscara caiu diante um serzinho de seis anos. Estou sozinho porque, além de desistir da humanidade vez ou outra, eu gosto de ser solitário? É isso? Solitário que às vezes se embriaga com um copo de cerveja e sente a chuva que está por vir.
Quando ela chega, o solitário se arrepia e tenta falar com os deuses das tempestades. Então o solitário se imagina um pagão do século 13 e tenta fazer uma oferenda.
            Volto à realidade quando peço aos deuses para a chuva cessar, pois havia parado meu carro longe do bar. Então a chuva aumenta e acabo achando que houve algum ruído nesse canal direto com os deuses do século 13.
Então a luz no quarteirão acaba. O bar fica às escuras. O solitário ouve um choro de criança. O dono do bar acende velas, que dão um ar sombrio e romântico ao ambiente. Tudo depende de quem está sentado às mesas. Os bebuns com cicatrizes nos rostos ficam mais tenebrosos. Alguns casais, que antes pareciam horrendos, agora parecem mais românticos. Dignos figurantes de uma cena de comédia romântica em uma cantina italiana.
Mas o solitário continua o mesmo. Solitário e escroto, achando que todos tiveram, têm ou terão um dia como o dele.
Pago a conta e vou embora. Quando estou no carro, a luz chega ao bar.

quarta-feira, outubro 20, 2010

Lésbico

O Paulão batia um bolão. Puta zagueiro. Na infanto-adolescência, havia feito algumas peneiras, aqueles testes para saber se o moleque joga bem ou não futebol. Passou em uma. Mas após a aprovação, o olheiro falava que ele iria jogar em um timezinho do interior.

Antes de ele pensar em recusar, lembrava de toda aquela situação constrangedora antes da aprovação. O olheiro querendo chupá-lo. Falando que, apesar do seu talento, as coisas ficariam mais fáceis daquela forma.

Na época ele já via algumas revistas pornôs e conversava sobre garotas com os amigos. O mais comum era homem com mulher. E ele achou tudo muito estranho, aquela proposta, e caiu fora.

Depois, até o futebol na televisão lembrava aquele cara, que usava muletas e iludia a cabeça dos garotos em troca de uma chupadinha. O olheiro que falava sobre justiça social e preconceito, pela sua condição física e por ser negro. Sempre destacava a iniciativa em dar oportunidades para jovens garotos. Mas ele não falava para a mesma sociedade que era pedófilo. E deu certo.

O olheiro saia em jornais, como o grande salvador de crianças carentes. Ele era um vencedor, que proporcionava vitórias para jovens de periferia. A vitória acompanhada de um boquete.

Paulão desistiu do futebol e estudou. Ainda no segundo grau, conheceu a história da segunda guerra e desejou que Hitler tivesse matado todos negros, deficientes, pedófilos e gays. Ouvindo rock com os amigos, na adolescência, descobriu que havia um pessoal de cabeça raspada que gostava de Hitler e odiava tudo que ele odiava: negros, deficientes, pedófilos e gays. Resolveu raspar a cabeça e se aproximar daquela turma. Até voltou a gostar de futebol. Adorava dar porrada na rua. Nessas saídas regadas a pancadaria, Paulão nunca achou um negro gay e deficiente. Para ele, seria uma dádiva divina.

Voltou a gostar de futebol pela violência nas arquibancadas e pelas cervejas com o pessoal no fim de semana. Até voltou a jogar bola. Foi quando o conheci pela primeira vez. Eficiência na zaga. Quando seu time sofria gol, era por falha dos outros. Ele mesmo não deixava passar uma. Zagueiraço. Nossos times jogavam, e depois todos iam tomar

cerveja em algum mercado 24 horas. Conversávamos sobre futebol, paqueras e música. Ele adorava falar sobre o quanto gostava de uma buceta rosada e o papo passava a ficar constrangedor.

O tempo passou e deixei de jogar futebol às segundas, com a equipe do Paulão. Dois anos depois, encontrei uma amiga em uma festa. Para minha surpresa, ela beijava outra mulher, que não parava de olhar para mim. Resolvi espairecer e fumar um cigarro fora da casa.

Quando voltei, a companheira da minha amiga ainda estava por lá e me percebeu. Não parava de olhar. Me fiz de desentendido e ignorei. Não adiantou. Minutos depois ela veio. “Eu te conheço de algum lugar”, falou.

Olhei para a cara dela e, de perto, também parecia alguém conhecido. Caralho, parecia o Paulão. Era o Paulão. Ele (a) me contou tudo. Foi enquanto cagava, sentado no vaso, que percebeu que deveria se transformar em Paulinha. Ficou olhando para o seu pinto e começou a odiá-lo. O trauma com o olheiro na peneira do futebol. Depois o trauma por pênis, até pelo seu.

Quando descobriu a buceta, passou a gostar tanto que, aos poucos, foi crescendo nele a vontade de ter uma.

Quando viu a tal buceta rosa que ele tanto falava, não teve dúvidas. Pegou um dinheiro da poupança e fez a cirurgia. Mas por fora ainda continuava homem.

Se sentia insatisfeito. Conseguiu um empréstimo, colocou silicone, megahair, plástica no rosto, emagreceu. Tornou-se uma mulher. Conheceu minha amiga e passou a namorá-la.

Não parava de falar que adorava buceta rosada. Gostava tanto que decidiu ter uma. “Continuo odiando viado. Minha buceta é só para garotas, he-he-he”, ele dizia.

Era bizarro ouvir todo aquele discurso. “Quem gosta de homem é viado. Mulher gosta é de dinheiro ou de buceta. Nunca tive dinheiro mesmo. He-he-he”.

Foi então que eu percebi que esse negócio de gostar tanto de algo pode ser perigoso, e que alguns traumas duram uma vida inteira. Foi quando a Paulinha falou, aos berros, com aquela voz de Paulão: “Eu gosto é de mulher, de buceta, porra. Quando não tem nenhuma por perto, eu ainda tenho a minha. É melhor que punheta, cara. Mas aí, eu não sou viado, valeu? Sou lésbico.

 

domingo, julho 11, 2010

pensando...

mais importante do que perguntar se deus existe, é perguntar porque as pessoas são tão carentes.

quinta-feira, junho 10, 2010

Demônios

Lembro-me de um amigo o qual eu não conversava há muito tempo e que resolveu me procurar naquele dia. Chegou um pouco mais gordo, com várias folhas de papel na mão. Na porta, apenas me falou que queria conversar em particular.

Entramos em um quarto e ele foi direto na janela. Fechou a cortina e disse que poderia estar sendo espionado pela Abin ou CIA. Foi quando me pediu ajuda, entregando os papéis, que pareciam formar um livro impresso na internet. Era um manual militar e estava tudo em inglês. Deduzi que ele quisesse ajuda na tradução, mas ainda assim achava aquilo tudo estranho.

Enquanto eu passava o olho nas páginas, meu amigo falava que os Estados Unidos queriam invadir o Brasil e que ele havia conseguido interceptar o plano através daquele relatório. Então ele me pediu que enviasse os papéis para a embaixada da Russia.

Meu Deus, meu amigo está louco. Pensei. Em seguida, senti um certo receio em tentar trazê-lo para o mundo real e concordei em entregar o documento secreto aos camaradas russos.

Hoje o frio adormece minhas mãos e um breve ensaio sobre a loucura e suas facetas surge em minha mente. Pareço entender a embriaguez que dominou meu amigo naquele dia. Hoje, passados alguns anos, distante do lugar onde ocorreu aquele encontro.

Aqui, comprei uma luz de cabeceira para não dormir sozinho nos escuro. Mas hoje, converso com demônios e eles me dizem que posso tudo. Hoje, dormirei com a luz apagada.