Sozinho no bar. Uma cerveja e uma dose de pinga
envelhecida no carvalho da puta que pariu, aquelas pingas chiques que os
boêmios e donos de bares insistem em falar que é igual ou melhor que uísque.
Enfim, estou encostado no balcão, tentando espairecer. Mais um dia a menos na
minha conta. Um dia a mais na minha conta do bar.
Às vezes olhando para o público, procuro imaginar
como são aquelas vidas. Histórias previsíveis, que acabam não chamando minha
atenção. Exceto por um serzinho. Correndo e brincando com um amigo imaginário,
uma menina de uns seis anos anda pelo ambiente, falando algumas coisas que eu
não consigo ouvir. Ela me enxerga e vem puxar conversa.
-
Você está em pé e sozinho por quê?
Penso
um pouco e falo:
-
Sentar sozinho em uma mesa é feio.
-
Humm... E por que você está sozinho?
Acabei
ficando meio desconsertado com as perguntas. E respondi sem considerar que
minha conversa tinha uns seis anos de idade.
-
Às vezes eu desisto de gente.
Ela
cerra os olhos para olhar, e então solta:
-
Ah tá. Entendi.
E então saiu como se voltasse a brincar com seu
amigo imaginário. “Poxa, não é nada pessoal, nada com você, minha carinha”,
pensei comigo, ao mesmo tempo lembrando da merda que eu falei para uma criança
de seis anos.
Uma criança que, aliás, parece ter entendido muito
bem o que eu falei, ao contrário dos bêbados que tentam puxar assunto com
alguém que está sozinho no balcão tentando espairecer. Mas enfim, se os pais
daquela criança tiveram a iniciativa de trazê-la a um boteco, ela acaba
aprendendo algo no ambiente, independentemente do que eu falei.
E ela acaba ensinando também. O “Ah tá. Entendi”
dela foi um tapa em minha cara. Minha máscara caiu diante um serzinho de seis
anos. Estou sozinho porque, além de desistir da humanidade vez ou outra, eu
gosto de ser solitário? É isso? Solitário que às vezes se embriaga com um copo
de cerveja e sente a chuva que está por vir.
Quando ela chega, o solitário se arrepia e tenta
falar com os deuses das tempestades. Então o solitário se imagina um pagão do
século 13 e tenta fazer uma oferenda.
Volto
à realidade quando peço aos deuses para a chuva cessar, pois havia parado meu
carro longe do bar. Então a chuva aumenta e acabo achando que houve algum ruído
nesse canal direto com os deuses do século 13.
Então a luz no quarteirão acaba. O bar fica às
escuras. O solitário ouve um choro de criança. O dono do bar acende velas, que
dão um ar sombrio e romântico ao ambiente. Tudo depende de quem está sentado às
mesas. Os bebuns com cicatrizes nos rostos ficam mais tenebrosos. Alguns
casais, que antes pareciam horrendos, agora parecem mais românticos. Dignos
figurantes de uma cena de comédia romântica em uma cantina italiana.
Mas o solitário continua o mesmo. Solitário e
escroto, achando que todos tiveram, têm ou terão um dia como o dele.
Pago
a conta e vou embora. Quando estou no carro, a luz chega ao bar.