O Paulão batia um bolão. Puta
zagueiro. Na infanto-adolescência, havia feito algumas peneiras, aqueles testes
para saber se o moleque joga bem ou não futebol. Passou em uma. Mas após a
aprovação, o olheiro falava que ele iria jogar em um timezinho do interior.
Antes de ele pensar em recusar,
lembrava de toda aquela situação constrangedora antes da aprovação. O olheiro
querendo chupá-lo. Falando que, apesar do seu talento, as coisas ficariam mais
fáceis daquela forma.
Na época ele já via algumas revistas
pornôs e conversava sobre garotas com os amigos. O mais comum era homem com
mulher. E ele achou tudo muito estranho, aquela proposta, e caiu fora.
Depois, até o futebol na televisão
lembrava aquele cara, que usava muletas e iludia a cabeça dos garotos em troca
de uma chupadinha. O olheiro que falava sobre justiça social e preconceito,
pela sua condição física e por ser negro. Sempre destacava a iniciativa em dar
oportunidades para jovens garotos. Mas ele não falava para a mesma sociedade
que era pedófilo. E deu certo.
O olheiro saia em jornais, como o
grande salvador de crianças carentes. Ele era um vencedor, que proporcionava
vitórias para jovens de periferia. A vitória acompanhada de um boquete.
Paulão desistiu do futebol e estudou.
Ainda no segundo grau, conheceu a história da segunda guerra e desejou que
Hitler tivesse matado todos negros, deficientes, pedófilos e gays. Ouvindo rock
com os amigos, na adolescência, descobriu que havia um pessoal de cabeça
raspada que gostava de Hitler e odiava tudo que ele odiava: negros,
deficientes, pedófilos e gays. Resolveu raspar a cabeça e se aproximar daquela
turma. Até voltou a gostar de futebol. Adorava dar porrada na rua. Nessas
saídas regadas a pancadaria, Paulão nunca achou um negro gay e deficiente. Para
ele, seria uma dádiva divina.
Voltou a gostar de futebol pela
violência nas arquibancadas e pelas cervejas com o pessoal no fim de semana.
Até voltou a jogar bola. Foi quando o conheci pela primeira vez. Eficiência na
zaga. Quando seu time sofria gol, era por falha dos outros. Ele mesmo não
deixava passar uma. Zagueiraço. Nossos times jogavam, e depois todos iam tomar
cerveja
em algum mercado 24 horas. Conversávamos sobre futebol, paqueras e música. Ele
adorava falar sobre o quanto gostava de uma buceta rosada e o papo passava a ficar
constrangedor.
O tempo passou e deixei de jogar
futebol às segundas, com a equipe do Paulão. Dois anos depois, encontrei uma
amiga em uma festa. Para minha surpresa, ela beijava outra mulher, que não
parava de olhar para mim. Resolvi espairecer e fumar um cigarro fora da casa.
Quando voltei, a companheira da minha
amiga ainda estava por lá e me percebeu. Não parava de olhar. Me fiz de
desentendido e ignorei. Não adiantou. Minutos depois ela veio. “Eu te conheço
de algum lugar”, falou.
Olhei para a cara dela e, de perto,
também parecia alguém conhecido. Caralho, parecia o Paulão. Era o Paulão. Ele
(a) me contou tudo. Foi enquanto cagava, sentado no vaso, que percebeu que
deveria se transformar em Paulinha. Ficou olhando para o seu pinto e começou a
odiá-lo. O trauma com o olheiro na peneira do futebol. Depois o trauma por
pênis, até pelo seu.
Quando descobriu a buceta, passou a
gostar tanto que, aos poucos, foi crescendo nele a vontade de ter uma.
Quando viu a tal buceta rosa que ele
tanto falava, não teve dúvidas. Pegou um dinheiro da poupança e fez a cirurgia.
Mas por fora ainda continuava homem.
Se sentia insatisfeito. Conseguiu um
empréstimo, colocou silicone, megahair, plástica no rosto, emagreceu. Tornou-se
uma mulher. Conheceu minha amiga e passou a namorá-la.
Não parava de falar que adorava
buceta rosada. Gostava tanto que decidiu ter uma. “Continuo odiando viado. Minha
buceta é só para garotas, he-he-he”, ele dizia.
Era
bizarro ouvir todo aquele discurso. “Quem gosta de homem é viado. Mulher gosta
é de dinheiro ou de buceta. Nunca tive dinheiro mesmo. He-he-he”.
Foi então que eu percebi que esse
negócio de gostar tanto de algo pode ser perigoso, e que alguns traumas duram
uma vida inteira. Foi quando a Paulinha falou, aos berros, com aquela voz de
Paulão: “Eu gosto é de mulher, de buceta, porra. Quando não tem nenhuma por
perto, eu ainda tenho a minha. É melhor que punheta, cara. Mas aí, eu não sou
viado, valeu? Sou lésbico.