quarta-feira, outubro 20, 2010

Lésbico

O Paulão batia um bolão. Puta zagueiro. Na infanto-adolescência, havia feito algumas peneiras, aqueles testes para saber se o moleque joga bem ou não futebol. Passou em uma. Mas após a aprovação, o olheiro falava que ele iria jogar em um timezinho do interior.

Antes de ele pensar em recusar, lembrava de toda aquela situação constrangedora antes da aprovação. O olheiro querendo chupá-lo. Falando que, apesar do seu talento, as coisas ficariam mais fáceis daquela forma.

Na época ele já via algumas revistas pornôs e conversava sobre garotas com os amigos. O mais comum era homem com mulher. E ele achou tudo muito estranho, aquela proposta, e caiu fora.

Depois, até o futebol na televisão lembrava aquele cara, que usava muletas e iludia a cabeça dos garotos em troca de uma chupadinha. O olheiro que falava sobre justiça social e preconceito, pela sua condição física e por ser negro. Sempre destacava a iniciativa em dar oportunidades para jovens garotos. Mas ele não falava para a mesma sociedade que era pedófilo. E deu certo.

O olheiro saia em jornais, como o grande salvador de crianças carentes. Ele era um vencedor, que proporcionava vitórias para jovens de periferia. A vitória acompanhada de um boquete.

Paulão desistiu do futebol e estudou. Ainda no segundo grau, conheceu a história da segunda guerra e desejou que Hitler tivesse matado todos negros, deficientes, pedófilos e gays. Ouvindo rock com os amigos, na adolescência, descobriu que havia um pessoal de cabeça raspada que gostava de Hitler e odiava tudo que ele odiava: negros, deficientes, pedófilos e gays. Resolveu raspar a cabeça e se aproximar daquela turma. Até voltou a gostar de futebol. Adorava dar porrada na rua. Nessas saídas regadas a pancadaria, Paulão nunca achou um negro gay e deficiente. Para ele, seria uma dádiva divina.

Voltou a gostar de futebol pela violência nas arquibancadas e pelas cervejas com o pessoal no fim de semana. Até voltou a jogar bola. Foi quando o conheci pela primeira vez. Eficiência na zaga. Quando seu time sofria gol, era por falha dos outros. Ele mesmo não deixava passar uma. Zagueiraço. Nossos times jogavam, e depois todos iam tomar

cerveja em algum mercado 24 horas. Conversávamos sobre futebol, paqueras e música. Ele adorava falar sobre o quanto gostava de uma buceta rosada e o papo passava a ficar constrangedor.

O tempo passou e deixei de jogar futebol às segundas, com a equipe do Paulão. Dois anos depois, encontrei uma amiga em uma festa. Para minha surpresa, ela beijava outra mulher, que não parava de olhar para mim. Resolvi espairecer e fumar um cigarro fora da casa.

Quando voltei, a companheira da minha amiga ainda estava por lá e me percebeu. Não parava de olhar. Me fiz de desentendido e ignorei. Não adiantou. Minutos depois ela veio. “Eu te conheço de algum lugar”, falou.

Olhei para a cara dela e, de perto, também parecia alguém conhecido. Caralho, parecia o Paulão. Era o Paulão. Ele (a) me contou tudo. Foi enquanto cagava, sentado no vaso, que percebeu que deveria se transformar em Paulinha. Ficou olhando para o seu pinto e começou a odiá-lo. O trauma com o olheiro na peneira do futebol. Depois o trauma por pênis, até pelo seu.

Quando descobriu a buceta, passou a gostar tanto que, aos poucos, foi crescendo nele a vontade de ter uma.

Quando viu a tal buceta rosa que ele tanto falava, não teve dúvidas. Pegou um dinheiro da poupança e fez a cirurgia. Mas por fora ainda continuava homem.

Se sentia insatisfeito. Conseguiu um empréstimo, colocou silicone, megahair, plástica no rosto, emagreceu. Tornou-se uma mulher. Conheceu minha amiga e passou a namorá-la.

Não parava de falar que adorava buceta rosada. Gostava tanto que decidiu ter uma. “Continuo odiando viado. Minha buceta é só para garotas, he-he-he”, ele dizia.

Era bizarro ouvir todo aquele discurso. “Quem gosta de homem é viado. Mulher gosta é de dinheiro ou de buceta. Nunca tive dinheiro mesmo. He-he-he”.

Foi então que eu percebi que esse negócio de gostar tanto de algo pode ser perigoso, e que alguns traumas duram uma vida inteira. Foi quando a Paulinha falou, aos berros, com aquela voz de Paulão: “Eu gosto é de mulher, de buceta, porra. Quando não tem nenhuma por perto, eu ainda tenho a minha. É melhor que punheta, cara. Mas aí, eu não sou viado, valeu? Sou lésbico.