quinta-feira, dezembro 23, 2021

Fala

 Os animais domésticos costumam usar a boca para comer, beber, brincar, lamber genitálias, ameaçar, machucar e matar. Eles não sabem falar. 

Os humanos também usam a boca para tudo isso. A diferença está na sofisticação de sabermos falar. Essa característica nos permite fazer todas as outras coisas que os animais fazem com a boca.

E, apenas com a fala, conseguimos conquistar qualquer coisa, inclusive sem latir, ranger os dentes ou derramar sangue.


domingo, abril 25, 2021

Jogo de cartas

Entre os dilemas, problemas e dores, resolvi queimar todos eles com uma carta de baralho. E continuei o jogo com a carta mais baixa.

Muita gente está morrendo, parece uma guerra. O pai de uma amiga morreu hoje, e amanhã pode ser alguém mais próximo ou eu. Mesmo que vivo, não conseguirei consolar ninguém.

Apenas continuarei o jogo, enquanto escuto como a vida poderia ser boa com uma sequência de cartas melhor.

Enquanto tento continuar o jogo, vou ganhando e perdendo, sabendo que, no fim, o baralho irá acabar. Que tudo irá acabar.

O segredo é como jogamos até o fim. E, se lembrarmos como será o fim, ninguém ou nenhuma carta irá me vencer. E nem sairei da mesa, em solidariedade a vocês. Porque eu sei que nunca há vencedores. Apenas resistentes de uma batalha que começa no nada e vai a lugar algum.

O objetivo é só continuar o jogo que já sabemos o final. Quem fala o contrário deve ser sócio do cassino, que não quer que você desista e continue jogando. Mas, para eles, eu tenho a maior carta do baralho. E não jogarei outra rodada




segunda-feira, abril 05, 2021

Humm... Feliz Páscoa?

 Às vezes, sintia vontade de rezar ou de ter alguma conexão espiritual. Mas eu não lembrava como fazer. Então, comecei a criar meu próprio ritual e meu próprio Deus.

Ele sou eu com uma mistura de algumas correntes filosóficas e religiões ou cultos. Simbolicamente, lembraria a igreja ortodoxa. Mas, não é tão simples assim. Consegui unir religiões judaico-cristãs com paganismo africano e proto-eslavo, estilo de vida boêmio e cotidiano suburbano de classe semi-média.

De vez em quando, quando o patuá não funciona, algumas doses de vodka, rivotril ou um baseado resolvem. Domingo de Páscoa: nem lembrava o que era isso, o significado da data. Depois, lembrei dos ovos coloridos do leste europeu. Depois, lembrei de fertilidade, e de ter usado camisinha da última vez.

Mas, antes de lembrar tudo isso, eu estava caminhando na rua, indo almoçar, para depois ir ao trabalho. Repentinamente, como se eu estivesse fazendo tudo isso de forma robótica, veio a reviravolta mental e passei a apreciar tudo ao redor. O ar veio mais limpo, enxerguei a harmonia. Fiquei felizão.

Essa minha religião é uma mistura de ressaca com sei lá o quê. É confortante. Mas ela é só de uma pessoa, no caso eu. Fica na sua ou monte a sua. Ou tudo seria o Deus da Páscoa agindo de todas as formas?

Ah, feliz páscoa atrasado. Independentemente do que isso significar para você.

domingo, janeiro 17, 2021

A morte e o desconhecido

Ela: Por que ainda não se matou?
Eu: Porque você é muito otária.
Ela: Eu sei. Mas, é só por isso?

Pausa

Eu: Quero te fazer raiva.
Ela: O que mais?
Eu: Estou amando alguém. E quero voltar a Salvador e a Sarajevo.
Ela: Só por isso?

Eu: Minha vingança é me manter vivo.
Ela: E como era antes?
Eu: Muito aleatório. Mas, ainda assim, não valeria apena antecipar o encontro contigo.

Ela: Por que?
Eu: Você nunca me convenceu. Sempre pensei em você, em te encontrar no melhor momento possível. Dormindo, tranquilo. Mas você é tóxica, egoísta.
Ela: Então você não me ama?

Pausa

Eu: Já encontrei muita gente dormindo, querendo ou não. Amando ou não. Você nunca teve exclusividade comigo.
Ela: Como assim?

Pausa

Eu: Você é corna, e se deita com todo mundo.
Ela: Úi, queria exclusividade?

***

Ele desistiu.
Tinha acabado de perder o irmão.
Não deu conta.

Quando estamos sozinhos,
É mais fácil terminar tudo?
Pena que ele era muito talentoso,
E poucos sabiam disso.

Artista plástico de valor,
Que neste país ninguém dá.
Nem no suicídio.
Talvez, se fosse o tal do Raimundo Brito...

***

Covardia?
Não.

E se um dia eu não quiser mais viver?
Ter uns 70 e poucos anos, ou não.
Não ter mais ninguém no mundo, ou não.

Discutimos tantas coisas.
Mudamos tantas coisas.
Mas, e se eu cansar de viver?
Vão me condenar por isso?

Conversava ontem,
Com um amigo sobre a questão.
Após 10 minutos de conversa,
Um desconhecido apareceu.

Após 10 minutos de conversa,
O desconhecido fala que tentou se matar.
Dias desses.

Esse tema atrai desconhecidos,
Na rua.
Misteriosamente.

Falei que ele era jovem demais.
O recomendei a ter essa carta na manga,
Por mais tempo.
A única contra a morte.
O all win.

***

Deus é a junção de pensamento de todos os seres humanos. Parece uma explosão.

terça-feira, janeiro 12, 2021

Dilacerados e moribundos

O que define o tardio momento do levante? O acordar? O cansei da injustiça, seja qual ela for? 

O que define a mordaça, o subjulgar e a relação de poder é claro. Domínio psicológico, social e financeiro. Perda de entes queridos, privação do essencial à sobrevivência humana.

Liberdade é a cereja do bolo. Antes dela, há o fundamental: manter-se vivo. Ou apenas viver para garantir a sobrevivência de alguém que você considera mais precioso do que você. Isso é a demonstração máxima de amor.

Por que a reação ao máximo estado de opressão demora tanto? Por colocar em risco a vida de quem consideramos mais precioso do que nós? Por sermos subjulgados ao ponto de perdermos quase todas as forças?

O que falar das revoltas de escravos, seja na África ou nas Américas? Ou dos judeus que revidaram em Varsóvia?

Há um limiar, em que viramos "suicidas" e abrimos mão de tudo? Pelo o quê? Dignidade? Nada mais a perder além dela? Vingança, revolta? Não morrer como um rato, talvez?

O levante dos dilacerados e moribundos ainda são os mais respeitáveis de toda a história. Eles tiram forças de onde nenhuma outra pessoa, exército ou país jamais tirariam, ainda que tardiamente. Ainda que de forma fracassada.

Estratégia bélica é o que menos  importa. Não há controle sobre isso. A eles, algum alento. O doce e revoltoso gosto de falar: eu existo!