terça-feira, novembro 26, 2013

Catador de latinhas



Certas pessoas são figuras carimbadas de boteco. Velhos solitários e alcóolatras, mitomaníacos, advogados corruptos e policiais malucos, que de vez em quando atiram para o alto sem nenhum motivo. Há também o “zé droguinha”, o “talento desperdiçado”, a prostituta (que ainda em má fase recebe elogios), o que fica no balcão chorando por causa de chifre, o velho gordo com gota que senta sempre no mesmo canto, o amigo do dono do bar que sempre chega com uma gostosa...

Personagens que tornam o boteco uma espécie de hospício sociável (às vezes não) e democrático. O figura da vez é um pouco diferente. Ele é velho, manco, catador de latinha e bróder de todos os habitantes daquele enclave etílico. Usa uma bengala e sua feição varia entre o ranzinza e o brincalhão, com ressalvas. Sempre responde a brincadeiras dos garçons com golpes de bengala.

Quando chega no bar, o rapaz do balcão serve de pronto um vinho chileno, um bom, por sinal, em copo plástico. Os três primeiros goles servem para degustar. Acende um cigarro de palha e vira num só trago o resto da bebida.

Os garçons começam a lhe importunar, fazer cócegas, derrubar as sacolas cheias de latinhas. Quando ele ameaça com a bengala, os garçons saem correndo. Todos no bar dão risadas com aquela cena. Uma versão nossa de Dr. House, mais criança do que sarcástico.

Sempre paga pelo seu vinho, não gostava de favores. Seres como ele são cercados de boatos e causos. É comum aparecer histórias sobre o velho. Que ele era rico, que havia sido escravo, que fora abandonado pela família, que sucumbiu à loucura após um chifre...

Sei que quando ele chega no boteco, todos sorriem por alguns minutos. Talvez seja seu único momento de felicidade no dia. Até sorrir ele consegue, mesmo sendo sacaneado (no bom sentido), catando latinhas, velho, manco e ranzinza. Parece ganhar o dia com as brincadeiras dos garçons. E todos no recinto ficam felizes enquanto seu sorriso dura.