quarta-feira, maio 08, 2013

O dia que o trânsito parou

Ao contrário do transporte público, a faixa de pedestre funciona em Brasília. Certo alento para uma cidade que parece ter mais carro que habitante. Algo indiferente para um senhor, parado perto da faixa, esperando o trânsito parar.
Segunda-feira, solzão de meio-dia. Pais pegando os filhos na escola em carros com ar-condicionado, e a certeza que a única coisa que poderia atrapalhar o almoço era o congestionamento. O senhorzinho parecia se desmanchar debaixo do sol, não tinha certeza se iria almoçar ou jantar. Nem tinha certeza se conseguiria atravessar a rua.
Seus trapos de mendigo, os pés descalços, a fisionomia franzina eram invisíveis aos motoristas. Ninguém parou para o velho passar, a faixa não funcionou, a imagem não sensibilizou. Um autêntico ser invisível.
Poderia falar sobre sua história de vida sofrida. Pobreza, abandono familiar.  Poderia falar que uma garotinha, muito sensibilizada,  largou a mão da mãe e correu em direção ao homem para ajudá-lo a atravessar a rua. Ou que um cachorro ou uma família de patos cruzou a pista utilizando a faixa, arrancando gargalhadas e afeto dos motoristas – tipo aquelas notícias de internet. Então o senhorzinho mendigo pôde atravessar junto com os bichinhos; e ainda levou uma buzinada por demorar mais que o cachorro.
Mas não precisei inventar nada mais comovente. A cena do mendigo invisível já dizia tudo para mim. Estava no sentido oposto, parado no congestionamento, observando o trânsito do outro lado fluir e senhor lá parado, tentando atravessar a rua.
Depois de divagar com aquela cena, no calor de meio-dia, não me contive. Puxei o freio de mão, desci do meu carro sem ar-condicionado e fui até o outro lado da pista parar o trânsito. O senhorzinho finalmente conseguiu atravessar. Veio ao meu encontro e agradeceu (poderia falar que ele estava com os olhos marejados).
Por um instante pensei que os carros não haviam parado antes apenas por uma questão de sinalização. Eu estendi o braço e os motoristas pararam na mesma hora. O mendigo não deu a mão. Será que realmente ele queria atravessar a rua?
Mas e o cão e a família de patos dariam a porra da pata ou da asa para atravessar? Eles realmente queriam cruzar a via? Não me venha com insensibilidade, cérebro. Não vamos estragar a cena do mendigo invisível aos motoristas.
Meu devaneio foi interrompido pelo buzinaço. Meu carro estava lá parado, de porta aberta, atrapalhando o trânsito.