domingo, junho 28, 2020

Barulhos e cochichos



Antes de acontecer, eu me perguntava como seria o barulho. Agudo, assustador? Pareceria o som de um contêiner de lixo sendo fechado, abruptamente, por algum catador de lixo, enraivecido por não ter encontrado nada de valor?

O som foi grave, estrondoso, seguido de gritos e pedidos de ajuda ao céu. Na sequência, veio o barulho de sirene da ambulância. Passado pouco mais de uma hora, via-se o silêncio da luz vermelha giratória, que iluminava a noite e a poça de sangue a escorrer pela calçada. Um lençol branco cobria o corpo. Das várias janelas do prédio, as pessoas tentavam entender.

No dia seguinte, o barulho do corpo ao cair no chão e os gritos de aflição deram lugar aos cochichos da vizinhança. Puxaram todo o histórico do infeliz. Diziam que "não era boa pessoa, que não trabalhava e que andava com um pessoal estranho. Mas era tão jovem, tinha todo um futuro pela frente...".  

sábado, junho 20, 2020

Amor

Ultimamente, só consigo amar quando não é recíproco. Sentimento mais verdadeiro não há. Quanta ironia.


Camarão e breja

A missão inicial era comprar apenas sabão para lavar louça. Mas acabei pegando um pacote de camarão e uma caixinha de cerveja. Sai do mercado pensando: "às vezes, a vida é legal pra caralho". Esqueci do sabão. Amanhã eu compro.

sexta-feira, junho 19, 2020

Paraíso

Sonhei que estava com meus pais em um condomínio fechado, com casas modestas, porém confortáveis. Estava ensolarado, mas com temperatura amena. No horizonte, uma cadeia de pequenos morros em declive, como a hipotenusa de um triângulo.
Ainda dentro de casa, conversava com minha mãe, quando ouvi o barulho de um carro. Saí, e encontrei meu pai, que acabara de chegar em uma caminhonete. Conversava com o vizinho, que mais tarde percebi ser a prima do meu pai. Um dia agradável, mistura de vários momentos que eu vivi, reunidas em um sonho. Minha avó paterna esteve presente em algum momento, dentro da casa. Então presumi que estávamos todos mortos, no que seria o paraíso, creio. Assim deveria ser o paraíso, para todos; um reencontro de pessoas que você ama, em um lugar agradável, como num sonho. E se antes de morrer, tivermos tempo para pensar nesse reencontro, este será nosso paraíso; uma continuação do último pensamento, no último suspiro.

sábado, junho 13, 2020

Revolta da solidão

Dias, semanas, meses e anos,
Sozinho.
Voluntariamente? A vida me levou a isso.
A família está longe.
Restam os amigos, com suas famílias.
Treinamento de distância, à distância; preparar-me para a morte do pai e da mãe, a única família, que se auto-exilou para ajudar-me na preparação da morte. A morte deles. Ou a minha para eles.
Os amores... Rejeitei-os ou me rejeitaram.
Restou-me ficar pronto para a solidão;
Ranzinheza e antipatia às companhias e grupos sorridentes.
A vida me fez só. Fui treinado a ficar só.
Revolta da solidão?
Revolta por ser demasiadamente humano.
Revolta por querer deixar de ser só, o que
sempre será uma ilusão.
Vivemos juntos,
Mas nascemos e morremos sozinhos.
Restou-me um único amor, que sempre me acompanhou, me abraçou e nunca me deixou;
A solidão.
E eu gosto dela.


Para Ana Akhmatova.

terça-feira, junho 02, 2020

Lá fora, a esperança

A esperança conseguiu chegar até a varanda do meu apartamento, no quinto andar. Eu até pensei em deixá-la entrar, mas ela era grande e fazia muito barulho. Achei melhor fechar a janela. Eu não entendo de inseto, quem dirá de esperança. Como alimentá-la? Ela ficaria sufocada aqui dentro de casa. Melhor lá fora, para todos. A esperança.