A todos de coração bom, em um mundo
sem coração. A todos que não foram o que poderiam ser. Aos que tentaram ser do
bem de forma errada, mas que ainda mantiveram algo de humano em seus corações.
A esses deve ser destinada a ala vip
do céu ou do inferno, a gosto deles, e não a gosto do dono da terra. Se não for
assim, que façam a revolução, caso desejarem.
Paulin e sua bicicleta em meio a um
bando de zumbis. Ele era um diplomata das ruas, ainda que fosse uma esquina de
rua (a esquina de um país inteiro). Endereço de um bar obscuro, com
frequentadores mais obscuros ainda. Seus clientes temiam o outro lado da cidade
e pediam para Paulin descer de bike o morro para pegar os pinos. Dez conto,
cada, mais cinco de comissão pro Paulin.
Era barato e o produto era razoável.
Se Paulin fosse pego pelos canas ou estraçalhado por um carro, foda-se ele.
Quem pensava isso?! Quando ele demorava muito, os clientes ficavam putos e
pensavam que os 15 ou 30 conto tinham virado crack, combustível pro avião.
Acontece que Paulin não vacilava nem
mesmo quando a viatura ameaçava pará-lo. Como uma criança brincando, ele seguia
calmamente seu caminho de volta ao bar. Devia ser coisa das guias de umbanda
que ele carregava no pescoço. Sei que o selo de garantia de serviço é
comprovado, não importa o prazo de entrega. Paulin só não garantia a qualidade
do produto.
Além de jovens com grana, Paulin
atendia prostitutas e um policial alcoólatra que aparecia no bar todas terças e
quintas. O dono do estabelecimento sabia de toda a movimentação, mas nunca deu
um basta no sistema porque também era cliente.
Alguns frequentadores do bar diziam,
sei lá, de brincadeira, que o dono do lugar era pai de Paulin. Esse era a razão
para o garoto nunca ser expulso de lá.
Paulin dizia que nunca tinha sido
apresentado ao pai. O dono do bar dava de ombros quando os clientes o apontavam
como pai do moleque. Suspeitas à parte, o velho permitia que Paulin usasse o
bar como boca.
O garoto sempre parecia estar de bem
com a vida. Sempre sorridente e atencioso, ouvia as histórias dos clientes e
ainda dava conselhos. “Hoje você não está legal, não vou vender nada.” Quando
algum problemático insistia, Paulin vendia placebo. O cara acordava com pouca
ou nenhuma rebordosa no dia seguinte e ainda falava: “Pô, aquele é do bom”.
Paulin não queria que sua clientela
fixa ficasse doente. Ele queria distribuir alegria, independentemente de ser
algo momentâneo e perigoso.
Entre uma venda e outra, contava
piadas, dançava no meio da rua e elogiava as garotas. Aquela era sua família,
seu auge. Contava as horas para o anoitecer, quando podia espalhar sua alegria,
com sorriso, dança e pó branco.
Era mais uma terça-feira sem
movimento. Nem o policial alcoólatra apareceu. Dentro do bar, apenas quatro ou
cinco pessoas.
Paulin estava na parte de fora,
encostado num muro próximo à entrada do bar. Três caras armados entraram
perguntando pelo dono do inferno.
O velho estava devendo alguns
traficantes e sua hora de pagar era aquela. Antes de ele se identificar como
dono do lugar, um dos caras disparou em sua direção. Paulin observou o
movimento saltou na frente do atirador. Tentativa frustrada de virar herói.
Serviço feito, os caras saíram sem
nenhuma pressa. Enquanto deixavam o local, Paulin gritou que estava juntando
dinheiro pra pagar a dívida do agora defunto. Se tivessem escutado aquilo,
levariam o moleque para pegar a grana e depois o matariam. Foi sorte.
Dias depois, mais enfurecida do que
de luto, a viúva encontra Paulin para falar que ele era o mais novo dono do
bar, não com essas palavras. “Você era o único filho dele e só agora eu
descubro isso?! Acha que eu vou sair de mão abanando, né? Vou pra justiça, meu
fí!”
Paulin cagou pra velha. Pensou
inicialmente em voltar pra casa da mãe. Mas não havia mais casa, tampouco ele
sabia onde estava a mãe. Uma vez ela disse que seu pai era um argentino
dançarino de tango, que trabalhava na casa mais famosa de Buenos Aires. Sem
mais nada que o prendesse por aqui, Paulin pegou o que tinha de dinheiro e foi
de carona num caminhão para a Argentina.