quarta-feira, junho 12, 2013

A garota do flyer

Segunda é um bom dia para beber na Padaria Paulista. Pediu uma cerveja, ganhou um salgado: coxinha, pastel, linguicinha ou quibe. Como manda a tradição paulistana, fico sozinho no balcão acompanhando o noticiário na tv. São notícias de São Paulo, mesmo eu estando a mais de 3 mil km de distância de lá.
O bar é uma ironia ao modelo paulistano. Na Terra da Garôa, as padarias se transformam em bares. Pras bandas de cá, bar é bar, padaria é padaria. O dono do lugar, um baiano, resolveu homenagear a capital paulista com humor e ironia – talvez para descontar o tempo em que foi sacaneado em Sampa, como todos os baianos que vivem por lá.
Na parede atrás do balcão, há um mapa. O Brasil segundo os paulistas:
No cardápio, o virado à paulista vira “ôra mêo”. No banheiro, fotos de personalidades ilustram o espírito de São Paulo: José Serra (terra de gente simpática e hospitaleira), Lula (terra de operários italianos) e o Boça (malandragem paulistana).
Tudo isso em uma terra onde em padaria se vende pão. Para não confundir a clientela, baiano colocou na placa uma descrição, logo abaixo do nome do local: “Pão só pros sanduba loco, mêo. Aqui é um bar”.
Estou lá encostado no balcão. Puto da vida, porque um velho estava sentado em meu lugar, que fica já perto da porta de saída do bar – não me perguntem porquê aquele era meu lugar favorito, e o do velho também. Quando eu ocupo o lugar, é ele que fica no balcão lançando o olhar furioso.
Um vendedor de dvd aparece e quebra o clima bélico entre eu e o velho. Separei uns seis dvds, na esperança que o dono do bar me desse o dinheiro e descontasse em minha conta. Eu só estava com meu cartão de crédito. Baiano não gostou da ideia, disse que se fizesse isso teria que fazer o mesmo com qualquer outro que pedisse, e no fim ficaria sem troco. A mesma resposta de sempre.
Queria ficar com os dvds e propus para o vendedor pagá-lo outro dia, já que ambos viviam por lá. Um aperto de mão selou o acordo, e ele saiu. As horas se passaram e o bar se tornou menos vazio. Agora não era apenas eu, o velho e as moscas que ficavam nos pratos de salgados.
Chegou uma mulher, aparentemente comum. Só chamou atenção porque ela sentou sozinha e pediu uma cerveja. Legal a postura “tô pouco fudendo para o machismo”.
Desvio a atenção novamente para o movimento do local, que aumentou ainda mais. Minha observação foi interrompida por um garoto, que chegou distribuindo flyers. Me entregou um papel colorido com a foto de três mulheres nuas –  show de stripper no Moscovita Night Club.
Há, danadinhas! Depois de conferir o flyer, meus olhos se voltaram automaticamente para a mesa da mulher solitária. Olhei por alguns segundos...Voltei a ver o flyer. A morena, do meio, pareceu familiar, não levando em conta o programa de edição de imagens. Fiquei por quase meia hora olhando para a mulher solitária e para o flyer. Quase certo que era a mesma pessoa.
Tive certeza quando o vendedor de dvds voltou para sentar com ela. Começaram a conversar. Ambos pareciam tristes, trocando confidências. Tinham rostos parecidos, irmãos? Apenas ela bebia, fumava sem parar, e ele a escutava prontamente, entre os dvds empilhados. Dvds piratas...vidas piratas e contraventoras.
Eu ainda devia os seis dvds. Ele não me devia nada, mas começou a desconfiar porque eu estava olhando demais. Deve ter achado que eu fosse cana. Se levantaram, ela entrou em um taxi e ele seguiu a pé. Eu fui para casa com ela em minhas mãos, ainda que no flyer.

Nenhum comentário: