Túlio é meu vizinho.
Tem 38 anos e ainda mora com a mãe. É feio e nunca teve uma mulher, mas talvez
haja outros motivos para isso. Ele trabalha em uma fábrica de parafusos. Acho que gosta do que faz,
gosta de parafusos. Ele coloca no bolso o primeiro parafuso que produz no dia e
o leva para casa. Tem uma caixa cheia de parafusos, mas ainda acho que lhe
falta um na cabeça.
Lembranças de cada
dia de dez horas de trabalho estão em uma caixa. Ele diz que isso serve como um
controle. Sabe quantos dias já trabalhou na fábrica só em contar aqueles
malditos parafusos. Na última vez em que conversamos, ele disse já ter
acumulado mais de três mil.
Toda vez que entrava em um ambiente, Túlio tentava
procurar parafusos. Verificava os móveis, os eletrodomésticos. Não importava
quanto tempo perdesse procurando os parafusos. Quando não conseguia caçar,
ficava impaciente, suava frio e deixava o lugar.
Sempre tinha a esperança de encontrar um dos seus.
E sabia fazer isso, identificar seu produto, a sua obra. Não me perguntem como
ele conseguia isso. Talvez um laço entre o artista e sua obra de arte. Túlio
sabia que não era o único responsável pela produção de um parafuso, mas
considerava sua função a mais importante de todas. Ele colocava os frisos para
aquele pedaço de metal girar e se tornar um parafuso. “Sem isso, nada feito.
Não temos parafuso”, dizia orgulhoso.
Um dia, enquanto
tomava um café na padaria, ele reparou um carrinho de brinquedo na mão de um
menino. Túlio já havia revistado todas as mesas à procura de seus parafusos.
Não havia encontrado nada. Parou de tomar o café imediatamente. Levantou-se e
foi até o menino.
Sem olhar para a
criança, Túlio elogiou o carrinho de brinquedo e pediu para dar uma olhada.
Todos os pequeninos parafusos eram da fábrica onde trabalhava, melhor, eram
filhos de Túlio. Finalmente ele os encontrara. Ficou eufórico, os olhos
lacrimejaram e um sorriso maníaco escapou. Foi quando ele finalmente percebeu o
garotinho e sua mãe.
Era uma bela e jovem
mãe. Por um momento, nosso caçador de parafusos ficou apaixonado. “Você é
louco? Saia já daqui”, disse a jovem e então se afastou, levando o filho dela e
os parafusos de Túlio. Desde que ele me contou essa história, nunca mais o vi.
Espero que não tenha parado de caçar seus parafusos.
Um comentário:
isso sempre acontece... o homem e sua obra... hehehehe
Postar um comentário