terça-feira, dezembro 29, 2020

Salvador, Sarajevo

Duas cidades com a letra S, e oito caracteres. Uma foi onde eu nasci. Outra é onde minha alma está presa. Meus sonhos (aqueles que temos enquanto dormimos, os únicos possíveis, atualmente) misturam-se com os da infância. 

O primeiro é sobre um mundo distópico, na Bósnia. Uma mistura do cerco dos anos 1990, com um 2000 e alguma coisa. Eu preso num passado que nunca vivi, com um presente que não acredito, e um futuro que eu já vi em algum filme de ficção. 

Mas é sempre a mesma cena, no bairro de Grbavica. Perto de um rio, ou um canal, que está ao lado direito. Rua arborizada, com umas carcaças de carros, que servem como escudo contra os snipers. Uma casa sem telhado, que foi incendiada, à esquerda. À frente, um prédio cinza cravado de bala. Cinza também é o dia, frio.

Outro sonho, emendado com o anterior, sou eu no Mercado Modelo. Antes, estou na parte alta da cidade. Corro atrás dos pombos e faço todos eles voarem. Desço o elevador e vou ao mercado. Muito barulho e confusão. Cheiro de peixe e de mijo. 

O calor e algo que comi, que não lembro, me dão uma caganeira. Meu pai me leva ao banheiro. O cheiro é horrível. Não tem papel. Me limpo com minha cueca. Era o mesmo ano do cerco a Sarajevo, salve a memória. Sei que me caguei todo. 

Queria duas cidades em uma: Salvador e Sarajevo. Quando eu morrer, joguem minhas cinzas da Ponte Latina, onde Gavrilo matou Ferdinand, sobre o rio Miljacka. Numa segunda-feira, dia de Omolu. E comam acarajé, no Mercado Modelo. Espero que nao tenham caganeira.

Nenhum comentário: